terça-feira, 22 de novembro de 2011

PV - 43 / Ataque à Amazônia

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Parque Indígena do Xingu, Brasil _ Em 1888, o Brasil se tornou o último país das Américas a abolir a escravidão _ uma mácula moral profunda para uma nação que se orgulha hoje de ser uma democracia multirracial.
Durante a longa batalha contra a escravidão no século XIX, em um momento em que abolicionistas na Grã Bretanha protestavam contra a transferência forçada de milhões de africanos de sua terra natal, líderes brasileiros criticaram o movimento abolicionista global por interferir nos assuntos internos do país.
Mais de um século depois, esse mesmo direito de não interferência nos assuntos internos está novamente sendo evocado, desta vez pelos interesses do agronegócio, defendendo o direito do Brasil de derrubar e queimar o que resta das florestas tropicais do planeta.
O Brasil não aboliu a escravidão por motivos morais ou éticos. A escravidão foi abolida porque o surgimento da manufatura capitalista a tornava mais cara e improdutiva que o trabalho assalariado. Mas hoje, não há qualquer esforço em se repensar um modelo de economia baseado na destruição das florestas _ e na emissão de gases do efeito estufa _ para produzir e exportar gado e minerais.
Ao contrário, o agronegócio brasileiro, graças a uma poderosa representação no congresso e à negligência do executivo, está fazendo campanha por uma nova lei ambiental que condenaria as áreas de floresta tropical ao extermínio.
Essa lei, que atualmente está sendo estudada por um comitê do senado, representaria uma calamidade ecológica.
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A região amazônica, que parecia infinita há apenas algumas décadas, está hoje sob o rico de extinção. Prognósticos científicos desanimadores já se comprovaram na forma de desastres, como as impensáveis secas de 2005 e 2010 e as grandes inundações de 2009. E, nos últimos dois anos, o país tem sido vítima de um número recorde de incêndios florestais, que não apenas reduzem as áreas florestais mas também ressecam o ar, expondo ainda mais regiões ao fogo.
Foi isso que aconteceu com o Parque Indígena do Xingu, no estado do Mato Grosso, região central do país, onde mais de 10.000 incêndios florestais foram registrados em 2010. Estatísticas preliminares indicam que até 10 por cento de suas áreas florestais podem ter sido destruídas nos últimos dois anos.
Em apenas alguns minutos, um desses incêndios destruiu completamente a aldeia Kisêdjê, onde, há poucos anos, a supermodelo Gisele Bündchen e o ator Leonardo DiCaprio exploraram a floresta tropical e demonstraram seu apoio à preservação dos rios.
Quando o Parque Indígena do Xingu foi criado, em 1961, seus fundadores deixaram as nascentes dos rios fora dos limites do parque. Na época, ninguém suspeitava que a floresta pudesse ser destruída. No entanto, em apenas 50 anos, o impossível se tornou realidade: quase 20 por cento da floresta amazônica foi destruída e uma percentagem ainda maior foi degradada.
O parque, que abriga a primeira grande reserva indígena do Brasil, foi criado com a intenção de projetar uma imagem idealizada de uma nação capaz de proteger sua diversidade étnica; hoje, o parque é evidência da incapacidade do país de proteger sua herança natural.
Xingu se tornou uma ilha verde rodeada de fazendas de soja e gado. O processo tornou o clima da região mais quente e seco. Isso tem causado incêndios que parecem incompreensíveis aos índios, cuja antiga cultura depende da agricultura por meio de queimadas controladas. Mas eles não têm mais controle. "Agora o fogo escapa. Ele não para mais", disse-me em setembro o cacique Auaulukuma, líder da tribo Waurá, um dos 16 grupos étnicos que vivem no parque.
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A queimada da floresta tem um impacto profundo sobre a vida dos índios. "A floresta é o nosso supermercado, onde encontramos tudo: madeira para construir nossas casas, palha para nossos telhados, galhos para construirmos flechas, frutas e animais para comer", disse Auaulukuma. "E tudo isso está se afastando cada vez mais porque as queimadas estão matando a floresta perto da nossa aldeia."
Projeções que pareciam apocalípticas no final dos anos 1980 _ de que a floresta desapareceria até 2030 _ agora estão se tornando realidade. De acordo com o World Wildlife Fund, com a atual taxa de desmatamento, 55 por cento da Floresta Amazônica poderia estar desmatada até 2030.
Enquanto isso, autoridades do governo em Brasília estão prestes a cancelar programas governamentais de restauração de florestas danificadas e preservação das que ainda existem. A maioria no congresso, representada pela elite do agronegócio, acusa o movimento ambiental de ser subserviente a interesses internacionais e de tentar reduzir a competitividade das commodities brasileiras. Como o ataque aos abolicionistas há mais de um século, à crítica às interferências externas nos assuntos brasileiros é usada hoje de maneira cínica para proteger uma lei imoral. Esse confronto está paralisando o país e atrasando a adoção de leis e práticas que permitiriam o desenvolvimento sustentável e o crescimento econômico.
No passado, a paralisia política atrasou em décadas o fim da escravidão. Agora, ela está permitindo a destruição da última grande floresta equatoriana do planeta, com consequências para Auaulukuma e seus índios do Xingu, mas também para a temperatura e os índices de precipitação em todo o Brasil e na região ao redor.
A história está se repetindo, desta vez em forma de tragédia.
(Leão Serva é jornalista e trabalhou como editor chefe do Diário de São Paulo.)
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